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Amor e Outras Drogas

Título Original: Love And Other Drugs
Direção: Edward Zwick
Roteiro: Charles Randalph, Edward Zwick, Marshall Herskovitz, Jamie Reidy
Elenco: Jake Gylenhaal, Anne Hathaway, Oliver Platt, Josh Gad, Hank Azaria, Judy Greer
País de Origem: Estados Unidos
Duração: 112 minutos

Todo tipo de sinopse desse filme vai te dizer que ele acompanha a história de Jamie Randall, um homem carismático, persuasivo e mulherengo, em sua incursão pelo mundo das vendas farmacêuticas, trabalhando como representante da gigante do ramo Pfizer. Sua função é conseguir com que os médicos locais prescrevam Zoloft ao invés de Prozac, e, mesmo trazendo mimos para as recepcionistas e retirando as amostras do concorrente de todas as prateleiras que consegue alcançar, parece impossível que ele cumpra sua cota mensal e consiga entrar nas “big leagues”, em Chicago. Isso até que a Pfizer crie uma nova droga, revolucionária: o Viagra.

Quem quer que tenha visto o filme vai te dizer que ele acompanha a história de Maggie Murdoch, 26 anos e já no primeiro estágio da Síndrome de Parkinson, uma garota que teve seus ideais moldados às limitações de sua condição e que se impossibilita de viver algo além do exato instante que está vivendo. Ela encontra Jamie no consultório de um dos médicos que ele tenta conquistar e inevitavelmente atrai o rapaz; inicialmente para uma relação puramente sexual e ao longo do filme, para algo muito maior que isso.

Não é que a atuação de Jake Gyllenhall seja insatisfatória, mas seu personagem é relativamente raso até que o elemento Maggie Murdoch entre em cena. Há uma cena específica que o define com exatidão: quando ele está na cama com a instrutora do programa de treinamento dos representantes, pensativo, e ela pergunta em que ele está pensando. “Dinheiro”, ele responde. Ele vem de uma família de médicos, seu irmão já é milionário por ser responsável pela criação de um software para clínicas e hospitais e tudo o que ele fez na vida foi desistir da faculdade de medicina. A partir daí, vai de emprego em emprego – particularmente aqueles que exigem poder de persuasão e simpatia, como corretor de imóveis ou vendedor de… qualquer coisa – e vive sua vida para ganhar dinheiro e ter mais mulheres diferentes em sua cama.

E então entra Anne Hathaway, numa atuação incrivelmente sensível, maravilhosa em absolutamente todas as cenas, roubando absolutamente todas as cenas, protagonizando o filme muito mais que o Gyllenhall poderia sonhar em fazer. Faz muito sentido que o Amor venha primeiro no título; o plano de fundo da indústria farmacêutica e o surgimento do Viagra surgem no filme apenas como elementos que conduziram o personagem ao momento em que ele conheceria Maggie e teria sua vida completamente modificada. Os momentos mais inspirados de Jake como Jamie são exatamente aqueles em que ele se dá conta de como a vida de Maggie é uma constante luta, e quando ele decide que quer fazer parte dessa luta.

Oliver Platt (O Homem Bicentenário, 2012) traz uma personalidade interessante para o chefe de Randall, Bruce, e sua dedicação sem limites à companhia que nunca lhe dá valor é o mais perto que o filme chega de realmente discutir a problemática das grandes empresas farmacêuticas (já que a apresentação da Pfizer é arrebatação e fogos de artifício); e Josh Gad (Quebrando a Banca) dá vida ao peculiar irmão mais novo de Jamie com uma característica vulgaridade que acaba gerando simpatia.

Baseado no livro Hard Sell: The Evolution of a Viagra Salesman, o roteiro é simples, se desenrola com fluidez e encontra atores de qualidade em praticamente todas as pontas para torná-lo um bom roteiro (mesmo que Hathaway praticamente domine a projeção), apesar de permitir apenas uma vaga percepção da passagem de tempo no enredo. O filme tem planos cuidadosos e uma fotografia agradável, principalmente em retratos mais frágeis da personagem de Anne, e conta com uma trilha sonora deliciosa, que se encaixa muito confortavelmente em todas as cenas.

Em suma, é um bom filme, que poderia ser absolutamente superficial, mas mostra um toque muito humano em quase todos os momentos, que produz bons sentimentos e traz boas lições – muito como seus protagonistas.

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Dúvida

Título Original: Doubt
Ano de Lançamento: 2009
Direção: John Patrick Shanley
Roteiro: John Patrick Shanley
Elenco: Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams
Duração: 104 minutos
País de Origem: EUA

Existem alguns atores e atrizes em quem eu confio cegamente, como Kate Winslet, Sean Penn, Glória Pires (vide a crítica de Lula, O Filho do Brasil), e alguns outros. Tais indivíduos tem o poder de me fazer esgueirar por qualquer cinema, sala de estar, bingo, quarto ou chão que me permitam presenciar sua atuação. Em absolutamente qualquer trabalho, essas pessoas conseguem cativar (de novo, vide a crítica de Lula).

E aí, no topo de todos esses (junto com Fernanda Montenegro, mas isso é outra história), está Meryl Streep. Mesmo no muito mais ou menos Julie e Julia, ou no péssimo Mamma Mia!, Meryl rouba a cena em absolutamente todos os momentos em que aparece. Em números, é indicada ao Oscar, muito merecidamente, por aproximadamente 37% dos seus trabalhos e esse ano conseguiu ganhar de si mesma no Globo de Ouro: foi indicada duas vezes na mesma categoria.

Então, eu comecei a ver Dúvida sabendo que, mesmo que não gostasse do filme, a oportunidade de ver Meryl atuando, por si só, pagaria o “tempo perdido” – e, devo dizer, que delícia que é quando esse pensamento se transformou no “Uau!” que eu carreguei quando o filme acabou. Não é um só filme bom: é um filme espetacularmente trabalhado, em cada um dos atores e seus personagens, em cada uma das muitas de suas nuances.

O filme se passa numa escola católica da qual a freira interpretada por Streep é a diretora. Inicialmente, três imagens são construídas: a da Irmã Alouysius Beauvier, diretora, extremamente rígida e tradicional, que defende o respeito incondicional que os estudantes tem de ter pelas professoras-freiras (mesmo que, como a própria personagem ressalta, esse respeito seja fundado no medo); o Padre Brendan Flynn (Philip Seymour Hoffman, também ótimo), um dos padres da cúpula da escola, à qual responde a Irmã Beauvier, em nome do grupo de freiras, um homem bondoso, que prefere criar amizades com seus alunos à aterrorizá-los, que defende que a escola deveria adequar-se a ideais mais liberais; e a Irmã James, apenas uma discípula da diretora, muito calma, boa, idealista, que fica dividida entre os ideais da Irmã e do Padre.

E aí o filme traz uma cidade de 1964, onde escolas católicas rígidas ainda eram muitíssimo respeitadas, mas exatamente a época, bem traduzida pelo conflito dos dois personagens principais, em que a sociedade começava a questionar o tradicionalismo, e põe em cheque a credibilidade de tudo aquilo.

Quando o roteiro se estabelece, aparece o perturbador da paz, o aluno negro Donald Miller. Veja bem, no contexto da época, um aluno negro (o primeiro da escola), era um grande atrevimento da diretora. Brancos não gostavam de negros, e ponto. Existia a previsão de que ele não se adaptaria. Não faria amigos. Se envolveria em brigas, seria um saco de pancadas. Então há a instrução para que irmã James, professora do menino, mantenha um olho nele.

Sabe-se que o Padre Flynn protege o menino de seus colegas, e um dia, ele o chama à sua sala durante a aula e o menino volta com hálito alcoólico. No dia seguinte, a professora vê o padre colocar uma camisa dentro do armário de Donald, discretamente.

Não existem provas. Não existem testemunhas. A Irmã Alouysius Beauvier, porém, tem certeza de que o menino está sendo abusado. E ela não tem receio de enfrentá-lo.

Questionando não só valores religiosos e morais, mas também coisas como a impunidade com que a cúpula católica cobre seus padres criminosos, mulheres que resolvem afirmar-se como seres pensantes, questões raciais e, enfim, muitas dessas questões que ainda enfrentamos hoje, o filme provoca de toda maneira possível. A conversa da diretora com a mãe do aluno provavelmente abusado ilustra isso – e é uma das melhores cenas do filme. E se o menino gostar do homem? E se for a única opção dele? E se ele for o único que é bom para o menino?

E você olha para aquela mãe, e não há como discutir com aquilo. Não é mais válido achar que o padre, se tiver feito o que se supõe que fez, está errado, do que achar que a mãe dele está certa, e que todo o império de certeza da irmã não faz muito sentido além de machucar e desorganizar o mundo daquelas pessoas.

Mas fica difícil descartar o fato de que o menino é só um menino, mesmo negro e pobre numa sociedade em que nenhuma das duas classes é minimamente respeitada; mesmo em 1964, o menino é só um menino. E se a irmã, mulher e freira, numa sociedade em que não se permite que nenhuma das duas classes levante uma palavra contra o homem superior, pode peitar essa autoridade e buscar justiça, por que a situação do menino não pode ser diferente?

E se o padre realmente for só amigo do garoto?

Não dá pra aceitar essa dúvida. Principalmente porque fazemos – o filme provoca isso – uma analogia com o presente, os nossos dias. E, nossa, não muda muita coisa: a igreja protege praticamente todos os padres pedófilos, estupradores, criminosos mesmo; as freiras servem apenas para dar bons exemplos, não tem voz; os negros não são mais bem respeitados e muita gente prefere não denunciar abusos quando ele vem acompanhado de algum ‘bem’.

Bem, a única coisa de que não tenho dúvida é de que esse filme é maravilhoso, cheio de grandes atuações e grandes sacadas, e que vale muito a pena.

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Ligeiramente Grávidos

Direção: Judd Apatow
Elenco: Seth Rogen, Katherine Heigl, Paul Rudd, Debbie Mann
Ano: 2007
Duração: 129 min

Confesso que a minha única motivação para assistir ao tal do Knocked Up foi a perspectiva de ver Katherine Heigl fora de Grey’s Anatomy e Paul Rudd fora de Friends. De maneira alguma eu esperava que o filme fosse além de entretenimento leve e apelativo – não que o enredo não seja um clichê das comédias românticas, ou que a atuação de Katherine passe de mais ou menos, mas…

O filme tem como base a relação dessas duas pessoas (Heigl como Alison Scott e Rogen como Bem Stone) completamente diferentes – ela, uma apresentadora de TV, num canal de entretenimento, independente e séria; ele, um desocupado que vive do dinheiro da indenização que recebeu ao ser atropelado alguns anos antes, morando numa república com um monte de amigos, fumando maconha, enquanto montam um site cuja premissa é dizer que atrizes ficam nuas (total ou parcialmente) em quais momentos de que filmes. Pessoas que não teriam nada em comum e muito provavelmente nem passariam tanto tempo juntos, não fosse uma noite bêbada e uma gravidez.

A personagem de Katherine, vendida como ‘a responsável’ do casal, não tem atrativos além da beleza. Não tem mais inteligência ou sensatez que o normal, então não se difere muito de nenhuma das personagens femininas de comédias românticas. Em alguns momentos, na verdade, ela toma decisões bem burras (uma das duas coisas que me deixaram muito incomodada no filme: que a protagonista realmente acredite que pode ser demitida se revelar aos seus chefes que está grávida – afinal, mesmo que você seja apresentadora de TV, existe algum tipo de lei sobre não demitir uma mulher grávida por causa de suas gravidez e de lhe dar algum tempo de férias remuneradas assim que o bebê nasce; algo como licença à maternidade, não?); então, não, ela não é o personagem a se destacar aqui.

O nível dos diálogos se mantém alto, algo praticamente impossível de se encontrar em comédias em geral. O mais memorável nessa importância dos diálogos é que Apatow (de O Virgem de 40 Anos) se vale muito daquela máxima das aparências que enganam: então tem Seth Rogen. Perfeito no papel do bobão que nunca fez nada importante na vida, mas que acaba tendo mais noção de responsabilidade que qualquer outro no filme. Articulado e sensível, exceto pelos momentos chapados (que incluem a noite em que engravidou a protagonista), o personagem é quem nos puxa para dentro da história, é quem reúne as cenas mais marcantes em torno de si.

Daí se destacam a trupe de amigos de sua República, que tem mais ou menos o mesmo perfil de desocupados sem dinheiro empenhados na construção do site pornô, que acabam, junto com o marido infeliz da irmã da protagonista, sendo o ponto de conflito: para Alison, eles e suas incompetências refletem a verdadeira personalidade de Bem, o que mostra que ele não está (como seus amigos) e provavelmente nunca estará (como seu cunhado) pronto para ser pai, marido e família de alguém (mais uma prova de que a protagonista não tinha muito bom senso, porque o tempo todo ele se mostra muito mais animado e preparado do que ela, de longe).

O momento ‘decisivo’ do filme, quando ele mostra que realmente tem algo a dizer sobre a humanidade e o amor (haha) é quando a irmã quase-tão-insuportável-quanto-a-protagonista Debbie (Leslie Mann) descobre que o marido, Pete (Paul Rudd), mentia dizendo que tinha que trabalhar até tarde quando na verdade ia jogar “Fantasy baseball” com os amigos: é quando o casal grávido, já bem irritado um com outro com todas as coisas que casais grávidos tem de fazer e lidar, se divide para defender os idéias um de Debbie (ela) e um de Pete (ele), e, entre brigas no carro, livros sobre bebês, e uma viagem a Las Vegas com cogumelos alucinógenos, temos as discussões mais relevantes do filme.

Em alguns momentos, a piada do “sexo, drogas e rock’n’roll” se excede um pouco (como na cena estúpida da conjuntivite), e existem muitas cenas absolutamente sem propósito no meio do caminho, algumas personagens extremas demais – não passa, no fim, de uma comédia romântica, portanto todos os casais ficam juntos e felizes no fim; mas o filme vai um pouquinho além de montar casais felizes. É muito mais verossímil que isso.

É um entretenimento leve com um pouco mais de qualidade que o normal. Recomendo.

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Lula, O Filho do Brasil

Direção: Daniel Tendler, Fábio Barreto
Elenco: Rui Ricardo Dias, Glória Pires
Ano: 2010
Duração: 130 min

“Trabalhador não é de esquerda e muito menos de direita,” diz a versão cinematográfica do presidente.

O filme começa com Dona Lindu (Glória Pires), grávida de Lula, com seus seis outros filhos, na porta de casa, observando o pai deles, seu marido, sair de casa rumo a São Paulo com sua amante. Em uma das poucas cenas esteticamente interessantes do filme, somos apresentados às três principais premissas do filme: que Aristides (Milhem Cortaz) é quase cruel com sua família, um péssimo pai; que nenhum dos irmãos de Lula tem voz, expressão, ou sentimentos, e que o filme não é sobre a personagem de Glória Pires, mas é como se fosse, porque basta um olhar dela e não sobra mais ninguém na tela.

Primeiro sinal de alerta: depois do parto de Luiz Inácio, uma confusão de espaço e tempo preenche a tela por minutos intermináveis que deveriam nos dar a idéia de que Lula está crescendo com sua família, mas que apenas tem o efeito de confundir o espectador. Numa série de cenas soltas que não se interligam, Fábio Barreto nos mostra a que veio: um filme puramente comercial de baixa qualidade, que não se encaixa direito no rótulo de cinebiografia que traz.

É chocante como o sertão é amenizado: nenhuma menção a como a vida lá era estupidamente difícil, em que nada que se tem é o suficiente para os oito filhos, em que se passa fome e sede periodicamente, em que sol e terra se misturam numa massa quente, rachada, triste; então quando Jaime (um dos únicos dos irmãos que participam do filme ativamente) escreve uma carta em nome do pai Aristides, pedindo que a mãe se junte a ele em São Paulo, o filme torna difícil entender porque Dona Lindu foi, sem hesitar, mesmo provavelmente guardando uma mágoa inominável do marido.

E o diretor insiste em representações rasas da realidade durante o filme todo: a viagem de pau-de-arara de Pernambuco a São Paulo passa fácil, com um enterro na beira da estrada e a duração do trajeto (13 dias e 13 noites) artificialmente em destaque tentando representar a dificuldade, sem sucesso; a vida em São Paulo – entre escola, curso no SENAI, emprego, e além – não parece ser tão difícil: exceto pelos momentos de “Cadê a minha cana?!” do pai, uma enchente jogada no meio do filme (nenhuma cena sequer menciona a inundação depois que ela acontece: reconstruir casa? Recuperar roupas, eletrodomésticos, móveis? Nada.), e a morte da primeira esposa, a vida de lula é retratada como uma vida pobre, mas razoável, em que não falta nada, apesar de não sobrar.

A infância do Lula do filme foi chata, sim; um pai bêbado exigindo que você trabalhe aos dez anos não deve ser fácil, mas assim que Aristides ameaça machucar seu filho, Dona Lindu se aventura no mundo com todos eles sob a asa. Com a proteção de sua mãe, ele vai à escola, se torna um aluno excelente, e almeja sempre orgulhá-la, crescendo pra ser um homem importante.

Sabe aquela cena em Dois Filhos de Francisco, em que a mãe Dira Paes tenta fazer com que os filhos esqueçam da fome? Não existe uma cena assim em Lula, por mais que saibamos que na vida real ela existiu. Não existe nada assim no filme – pra quem diz que esse deveria ser o próximo Dois Filhos – nada que te faça dizer “nossa, que vida super difícil!”. Nem a cena da morte de sua esposa e seu filho segura emoção o suficiente pra que sintamos a força que o homem teve que ter pra seguir até ali.

O diretor, claro, tem alguns (poucos) momentos iluminados: quando Lula vai à fabrica como estagiário pela primeira vez, e suja seu macacão de óleo para mostrar à sua mãe que trabalhou, a que se segue uma troca intensa de olhares entre mãe e filho orgulhosos de si mesmos. Em nenhuma cena durante todo o filme dá pra ter uma ideia melhor de como cada pequena vitória era uma grande vitória, de como nunca na vida algum de nós entenderá essa sensação; assim como quando ele se forma no curso de torneiro mecânico do SENAI, e o orgulho da mãe transborda da tela (aliás, basicamente todas as cenas de Glória Pires. Ela definitivamente salva o filme).

Então, então o pior de tudo.

Não dá pra falar de Nelson Mandela sem falar da questão racial na África do Sul; não dá pra falar de Meryl Streep sem envolver sua importância no cinema mundialmente; não dá pra falar de Harvey Milk sem falar do movimento gay estadunidense. Claro que a importância de Lula é muito diferente das importâncias de qualquer um desses, mas o ponto é que a despolitização de todo o filme foi o maior desse festival de erros de Fábio Barreto.

Então Lula nem sabia o que eram sindicatos, achava que era só uma grande bagunça sem sentido. Daí sua esposa morre e ele resolve que precisa de algo pra ocupar a cabeça. Não é aquele orgulho do brasileiro que atravessou mares de espinhos sua vida toda, mas tinha uma consciência política tremenda, e cresceu tanto no movimento pelos direitos dos trabalhadores, enfrentou tanta propaganda contrária, que absolutamente mereceu o cargo que ocupa hoje. N-A-D-A disso.

O Lula do filme é um alienado sem ideologias, é o Lula como a direita prega que ele era: um cara que caiu de para-quedas no meio político, sem nenhuma formação anterior, que não merecia, nem queria, ocupar cargo publico algum, ligeiramente irresponsável.

COMO se descreve Lula sem falar da situação política em que ele cresceu? Então eu deveria acreditar que a ditadura tinha influência praticamente nula na história dele, que os piquetes de trabalhadores eram às vezes mais violentos que a própria ditadura (!!)? Então não aconteceu uma total mudança da imagem de Lula (inclusive em sua fase “sapo barbudo”, que eu nem identifiquei no filme)?

Eu, fã do presidente Lula, não gosto do Lula do filme.

E, exceto pela “troca de fotos” de que todo mundo já falou, em que o Lula criança se torna o Lula preso pelo DOPs, e uma cena sutil em que um guarda cantarola “Pra Frente Brasil” enquanto encara o homem humilde, a parte política do filme, que já é quase nula, se revela completamente enganosa e inútil.

Prum filme que só tem dois personagens (você nem se dá conta de que dona Lindu tem oito filhos, porque eles são simplesmente cenário. Lula é o inteligente, o esperto, o falador; e quando a mãe os coloca na escola, é por Lula que a professora vem até a casinha humilde deles. É Lula que dá o orgulho de se formar, é Lula que mora com ela até o fim… Outro deslize de Barreto, achar que outros personagens não contribuiriam pra formação do personagem Lula), até é entendível quem diz que o filme é sobre a mãe de Lula, e não sobre ele.

Mas o fato é que é sobre ele, sim: é uma tentativa de fazer a direita gostar dele, no momento mais inapropriado possível; é um filme comercial, que tenta fazer dinheiro com a imagem do homem mais popular do Brasil; e é um filme ruim.

Longe, muito longe de santificar o presidente ou fazer campanha pra ele (afinal que outro filme nacional é patrocinado exclusivamente por iniciativas privadas?), Lula tem algumas boas atuações (os Lulas criança, adolescente e adulto), uma atuação excelente (adivinha de quem?) e uma grande mentira como protagonista. Afinal, alguém acredita que Lula não era de esquerda?

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Arraste-me para o Inferno – Terror?

Título Original: Drag Me To Hell
Ano de Lançamento: 2009
Direção: Sam Raimi
Elenco: Justin Long, Alison Lohman, Lorna Raver, Dileep Rao, David Paymer, Adriana Bazarra.

Mesmo para um filme com um nome tão sugestivamente trash (a adaptação pro português conseguiu, claro, como quase sempre, ficar pior – Arraste-me Para o Inferno meio que já te avisa o que está por vir, né?), juro que esperava mais de Drag Me To Hell.

Primeiro que, sem noção alguma da história do filme, e vendo apenas as imagens dos encontros da Sra. Ganush – com quem eu até simpatizei, pra falar a verdade. Mocinha odiável aquela Christine, pelamor – com a dita heroína, Christine Brown, a impressão que eu tinha era que ela – a Sra. Ganush – era o demônio a que se refere o filme.

Aliás, antes de desenvolver isso, um resumo básico da história: Christine é uma corretora de empréstimos num banco, que está quase conseguindo uma promoção. Pra ficar bem com seu chefe, nega uma extensão dum empréstimo à Sra. Ganush. Claro que a cvelha nojenta era uma cigana que amaldiçoa a loira, pondo em seu caminho um demônio que a perturbará por três dias e depois virá levar sua alma diretamente para o inferno.

Pois bem. Antes de qualquer coisa: quão imensamente desnecessário era tornar a Sra. Ganush uma espécie de morto-vivo, um quase cadáver, que tosse catarro num lenço e logo depois retira as dentaduras com fios marrons de saliva para chupar da maneira mais barulhenta possível uma bala qualquer? Só eu senti um quê de preconceito contra os gipsies? (Por que sim, todos os ciganos no filme são algo parecido.)

Quando se conhece o final do filme (que eu estou morrendo de vontade de revelar e fazer todo mundo desistir do terrorzinho logo, mas não vou), essa impressão se estabelece com ainda mais força; a idéia é de que sim, Christine é uma egoístazinha que NÃO deve levar razão na história, mas ainda assim, como que a gente fica com raiva da loira bonitinha que desprezou a velha nojenta que nem limpar as unhas limpava?

Falando em coisas desnecessárias; a primeira cena de ‘luta’ – eu diria que a cena que verdadeiramente nos apresenta a sra. Ganush como a velha idiota, a errada da história – uma cena dentro do carro da protagonista, dentro dum estacionamento vazio (exceto por dois outros carros, que, claro, no meio da luta angustiante, pés incontroláveis no acelerador, são AMBOS atingidos pelo primeiro), é uma injustificável sequência de violência verbal e física entre as duas: tapas, pontapés, olhos grampeados… Opa, a sra. Ganush leva um soco que arranca sua dentadura. O que ela faz? Segura Christine enquanto procura pelos dentes para mordê-la com raiva? Chora humilhada? Dá um soco de volta? Queria eu.

Ela inexplicavelmente se joga em cima da outra e começa e chupar o seu queixo.

Eu até teria suportado tal cena abominável, se logo após não tivesse descoberto que o que a cigana precisava – tudo o que ela queria, afinal – era roubar um botão da roupa da mocinha, para amaldiçoá-lo.

Veja bem; ela só precisava amaldiçoar um botão e sua vingança estaria completa. Chupar o rosto da outra ou tentar enforcá-la absolutamente não faziam parte do ritual, só serviam – mais uma vez – para nos fazer gostar da menininha que queria um salário maior e humilhou a velha nojenta, pra justificar que achássemos a cigana o ser mais insignificante e mau – ah, que cigana má – da história.

E isso deve ser o quê, os primeiros vinte minutos de filme?

É.

Antes de pular para quando a podre -opa- a pobre corretora começa a ser atormentada pelo espírito mau, preciso comentar a sideline story do início do filme, e que teoricamente deveria ter alguma correspondência óbvia – pelo menos o suficiente para que o espectador pudesse fazer um link pra situação atual, da corretora – em que um menino é atormentado pelo mesmo espírito, vai para uma “exorcista” e não consegue ser salvo. Bem, a explicação dada para que o espírito estivesse atrás dele é que ele “roubou um colar de prata de um grupo de ciganos”. Espera, mas o espírito não começava a te perseguir quando um cigano malvado amaldiçoasse algo seu?

Talvez, se eu parar para pensar, alguma explicação de como as histórias se relacionam me venha à cabeça. Mas, além de que esse tipo de coisa, principalmente em filmes de terror, mais sobrecarregados que outros tipos, devia ficar claro; o filme não me cativou o suficiente, desculpem, para me fazer pensar nisso.

Inicialmente, eu relacionei a colar de prata com a moeda de prata que ela dá para o namorado; mas claro que essa idéia se dissolve rapidamente. Mas a moeda, ah… O ênfase nela foi tão nada sutil que fica absolutamente impossível não achar o final absolutamente previsível.

Agora. Talvez, mesmo com toda a previsibilidade e as incoerências preconceituosas, talvez houvesse algo a se levar a sério ali. Um pouquinho da história era engolível. Mas o filme absolutamente NÃO convence. O personagem mais verdadeiro ali foi o ‘vidente’, e só porque ele explora a garota e não lhe dá muitas esperanças.

Logo no primeiro dia de “possuída”, a louca jorra sangue bela boca e pelo nariz, como um esguicho, em cima do chefe, e simplesmente diz “não estou me sentindo bem” e vai embora, enquanto o chefe se preocupa com o sangue que pode ter entrado em contato com alguma de suas mucosas.

Tipo. Não sei vocês, mas eu acho que se alguém jorrasse sangue em mim eu ficaria mais preocupada com a pessoa que com minha roupa manchada.

A isso se segue, entre outras coisas, a uma visita da desesperada no vidente que diz que ela poderia sacrificar um animal para o demônio, de modo que ele desistisse dela. Absurdamente abismada, Christine lança um revoltadíssimo “Eu sou vegetariana! Amo animais, não vou sair por aí matando nada!!”

Claro, em uns cinco minutos o demônio dá uns tapas nela e ela mata o gatinho de estimação.

E claro, não funciona. A essa altura o demônio já está ganhando da garota. Ela se desespera. Paga uma espécie de exorcista – a-rá! A mesma exorcista do garoto do início da história. Sabia que aquilo não estava lá por acaso!

E então… O clímax do filme é o mais anti-clímax possível.

Só posso dizer que há um bode e uma cova aberta na chuva. Daqui não passo. É por sua conta e risco.

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2012: O conto de fadas sobre Amor e Família

Título Original: 2012
Ano de Lançamento: 2009
Direção:
Roland Emmerich (Godzilla, O Dia Depois de Amanhã)
Elenco: John Cusack, Amanda Peet, Danny Glover, Oliver Platt, Thandie Newton, Chiwetel Ehiofor, Woody Harrelson

Considerando que eu sou uma pessoa normal que não espera ansiosamente por nenhum filme em particular, a não ser os da franquia Harry Potter, e que é atingida por um nível médio de publicidade dos grandes filmes, acho que é perdoável que eu só tenha descoberto que epa, esse filme tem protagonistas! Não é só destruição!, quando já assistindo o filme… ou não?

No fim, eu sinceramente não consigo saber se 2012 foi um completo fiasco ou completamente cumpriu sua proposta de filme simplesmente comercial que quer ganhar milhões. Só posso dizer que a fortuna gasta no filme não se traduz em riqueza de conteúdo.

Bem, de qualquer maneira, é bom que tenha, porque personagens sobre quem falar ajudam a organizar a completa bagunça que é o blockbuster na cabeça, consequentemente esclarecendo infinitamente a ordem das coisas na hora de passar toda essa análise pro papel. E para o negócio todo ficar mais palatável, a crítica vem enumerada em “coisas muito creepy que quase fazem os efeitos especiais não valerem a pena”.

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Destaque Harry Potter e o Enigma do Príncipe Potter Heaven

[Série] EdP: Livro x Filme – Memórias dando lugar a romances

No sexto livro, a penseira de Dumbledore se torna quase uma personagem da história, responsável pelo display dos momentos da vida de Tom Riddle e das pessoas que ele afetou.

A família Servolo e a família Riddle, o orfanato, Hogwarts, suas casas e professores, Borgin&Burkes, Hepzibah Smith e as horcruxes todas; por entre a construção do personagem de Voldemort, desde o pequeno menino Tom, nós vemos o crescimento do menino Harry, atirado em circunstâncias muito além do que ele desejaria entender.

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Coluna Inominável

Sobre Kloves e Goldenberg

Não importando o diretor (mesmo o irreverente Cuarón, responsável pelo filme que é quase unanimemente considerado o melhor), até agora Steve Kloves tem sido o responsável por botõezinhos de autodestruição em todos os filmes.

Os loops na história, remendos mal-feitos para os buracos deixados pela retirada de vários detalhes importantes – ele parece sempre escolher a mais mirabolante das explicações (Hermione jogando pedrinhas na cabana de Hagrid?) e simplesmente esquece de regras básicas como: criar uma linha que a história possa seguir.

Desde a Pedra Filosofal – sem foco, bagunçado -, passando pela Câmara Secreta – cheio de infindáveis diálogos explicando coisas simples -, pelo Prisioneiro de Azkaban – muito inverossímil para os padrões de Hogwarts e em relação ao livro -, e chegando num Cálice de Fogo relativamente melhor, mas que deixa muito no ar e traz a cena que ninguém entendeu: Dumbledore agressivamente sacudindo Harry?

A Ordem da Fênix me fez entrar no cinema de cabeça baixa – é de longe o livro mais enfadonho, cheio de enrolação, que transborda palavras inúteis (acredito que a própria autora fez uma declaração de que se excedera e não mais o faria – e não mais o fez). Já sabia da mudança de roteirista, mas, afinal, que diferença poderia fazer?

Muita. Goldenberg foi mestre em contornar as enrolações de Rowling, como a temporada de Harry na casa dos tios, a própria estada na sede da Ordem, e as intermináveis cenas com Umbridge. Resumidas as subtramas, só deixou a desejar quando não explicitou o responsável por Dementadores em Little Winging: quem não lera o livro, ou que, como eu, o fizera, mas há tempos, foi deixado pensando ser responsabilidade de Voldemort, quando foi da maléfica Umbridge. Perda não tão grande, aliás.

Fora alguns deslizes – como vassouras voando baixo e sem disfarce pelo meio de Londres -, o filme agradou. Em efeitos (a luta final entre Dumbledore e Voldemort), em atuações (destacando Imelda Statuon, Evanna Lynch, Emma Thompson e o brilhante Ralph Fiennes), em câmera (todo mundo correu junto com Harry e Duda, logo no início), em direção (todos os personagens pareciam mais maduros, e destacados em sua coadjuvância). E quanta inteligência ao tratar da atuação do trio!

Se restarem dúvidas quando à grandeza do filme, é bem mais pelo estilo “livro de transição” que a própria Rowling imprimiu em sua obra, e devemos agradecer ao trabalho de Goldenberg e Yates. Yates continua, porém, a volta de Kloves no Enigma dá medo.

O que eu quero dizer? Vou entrar no cinema próxima quarta esperando efeitos inebriantes e atuações bem posicionadas, numa história sem pé nem cabeça. Esperemos que eu esteja errada.

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Coluna Inominável

Hermione

Falha-me a memória quando busco a quantidade de vezes em que foi ela, um de seus livros, uma de suas anotações, uma de suas citações, de suas mágicas, infinitamente etecétera, que “salvou o dia” durante toda a saga Harry Potter. Eu não duvidaria se me dissessem que ela andou lendo livros de psicologia enquanto procurava uma saída para as horcruxes na última parte da obra. Eu tenho até um esquete na cabeça, onde a Hermione de treze anos, com seu vira-tempo, chega a Dumbledore pedindo a liberação da seção reservada para ela – “Porque eu já li todos os outros!”

Certo, não exageremos. Mas que a Hermione é a principal fonte de respostas da série, ela é. Muito mais que Dumbledore, aquele velho bizarro que orienta as perguntas e não as respostas. De fato, creio que foi a própria Rowling quem disse que “se você não sabe algo, ou pergunta a Dumbledore, ou a Hermione”. Mais que aprender e memorizar, Hermione raciocina, e o raciocínio e a sensibilidade a tornam quase inverossímil, indefectível, não fosse o culto ao intelectualismo nerd e o ceticismo exacerbados. E a cabeça quente.

Seria interessantíssimo refazer, à la Stephenie Meyer, toda a obra potteriana do ponto de visto de Granger. O mapa que ela tem de Harry e Rony deve ser, no mínimo, esclarecedor. Então se eu sentasse do lado de Joanne Kathleen Rowling, a segunda pergunta que eu faria (a primeira é uma confidencial sobre Draco) é: qual o potencial de Hermione?

(Enorme, eu sei. Aí eu melhoraria: em comparação com o potencial do Dumbledore jovem? Por que eu acho que é maior. Acho que Hermione raciocina mais que Dumbledore raciocinou. Sobre coisas certas, e erradas, e medos, e tudo isso. Mas não é bem disso que eu quero falar).

Primeira e segunda adaptações cinematográficas. Hermione fiel ao livro, em suas falas, atitudes e expressões, assim como o resto dos personagens e linhas de história. Terceira adaptação. Opa!

Não quero questionar capacidades, mas direcionamentos. Emma Watson é um rostinho bonito, e inicialmente parecia perfeita para o papel, então, o que, ela desaprendeu?

Não é romântico uma personagem principal tão extremamente rato de biblioteca como a Hermione. Não é cinematográfico.

Desde Cuarón houve um amadurecimento extra-feminino da personagem, e creio que nenhum fã realmente gostou disso. Suspiros, risadinhas, comentários estilo “menininha” e uma liberdade muito, muito grande na interpretação da personalidade.

Não me lembro de um comentário sobre a aparência de seus cabelos no terceiro livro, ou uma conversa animadinha com Harry sobre Krum no quarto e, epa, o vestido dela não era azul no baile de inverno?
Parecem detalhes, eu sei. E talvez eu esteja completamente errada, afinal, Emma Watson pode sentar com J.K.Rowling e perguntar-lhe sobre seu personagem, ela tem todo tipo de orientação em sua atuação.

Talvez eu esteja errada. Mas o comportamento da Hermione dos filmes me parece simplesmente a invenção de outra personagem.

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Coluna Inominável

Os Malfoy – Draco

Não é que eu ache que o Draco é uma pessoa ruim – muito, muito longe disso. Mas as circunstâncias pelas quais seu caráter foi formado não mudam as conseqüências dele, por mais que o justifique. O “bom Draco”, falemos a verdade, é uma pintura surreal. Por mais que eu tente – e como tento! – ilustrar essa faceta, o resultado final não muda. E como o resultado final já vos é conhecido, pulemos para a parte sobre a essência de Draco Malfoy e os motivos da minha fascinação.

Recapitulando um pouco das minhas impressões sobre Lúcio Malfoy; não sei se ele amava Draco ou Narcissa. Se amava, era um amor pequeno ao lado de seu ego, que lhe dizia que ele era um sangue-puro, portanto, melhor que qualquer outro. Como podia ele admitir que seu filho fosse inferior a uma sangue-ruim? E como podia Draco defender-se disso? Não é fácil superar alguém como Hermione Granger (ela não é humana.), nem como Harry Potter e, em aspectos mais subjetivos, como Ronald Weasley.

Vai além da tortura que eu posso imaginar ter alguém menosprezando todos os seus sucessos e evergonhando-se de todos os seus fracassos (tem até menininho ficando esquizofrênico por causa disso na Globo). Servir ao ego de alguém é praticamente impossível, insuportável. Servir ao de Lúcio, caótico.

Se servir ao Lord compensava, Lúcio o seguia. Se negá-lo compensava, Lúcio o negaria. Certo? Nem perto disso. Ao atrelar seu ego a Lord Voldemort, Malfoy entrou em um caminho mais que perigoso, afogando sua família diretamente em sua causa. Quanto sofria Draco, entre a podre decadência do pai, a submissão dolorosa da mãe? Quão difícil é ter seus valores, aqueles nos quais você foi criado, esmagados, um a um, pela sociedade?

Pessoas chegam a extremos. Draco tinha amarras ideológicas em si, com as quais se acostumara e das quais chegara a gostar. Era confortável! O ser humano luta por conforto; e para Draco ele era representado pelo longo hiato de Voldemort – quase toda a sua vida. Ele só queria de volta sua família do jeito confortável em que a conhecia, sem passar por outros valores, humores ou amores. Ele se levou, se empurrou, até onde pôde, até a linha tênue entre arrogância e maldade.

Ele não foi bom. Ele foi mesquinho, vil, trapaceou, ameaçou. Mas não foi mau. Foi, sim, compelido até seus limites – limites um tanto flexíveis e até inescrupulosos, admito -, mas não foi mau. Ele protegeu os seus, o seu, na luta egoísta que em um ponto ou outro todos travamos (CLARO que eu nunca tentei matar ninguém; tempos de guerra são tempos de guerra). Ele sofreu pela morte dos amigos. Ele abaixou a varinha.

Ele não passou da linha.

Uma palavra vem flutuando em minha mente já há algum tempo para descrevê-lo: struggle. Conflito, oscilação, luta. Esse é Draco Malfoy.

Mas, claro, isso é só uma das possíveis interpretações. O Draco que eu pinto é perfeitamente humano. Perfeitamente aceitável.

Na verdade, para mim, ele é admirável.