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2012: O conto de fadas sobre Amor e Família

Título Original: 2012
Ano de Lançamento: 2009
Direção:
Roland Emmerich (Godzilla, O Dia Depois de Amanhã)
Elenco: John Cusack, Amanda Peet, Danny Glover, Oliver Platt, Thandie Newton, Chiwetel Ehiofor, Woody Harrelson

Considerando que eu sou uma pessoa normal que não espera ansiosamente por nenhum filme em particular, a não ser os da franquia Harry Potter, e que é atingida por um nível médio de publicidade dos grandes filmes, acho que é perdoável que eu só tenha descoberto que epa, esse filme tem protagonistas! Não é só destruição!, quando já assistindo o filme… ou não?

No fim, eu sinceramente não consigo saber se 2012 foi um completo fiasco ou completamente cumpriu sua proposta de filme simplesmente comercial que quer ganhar milhões. Só posso dizer que a fortuna gasta no filme não se traduz em riqueza de conteúdo.

Bem, de qualquer maneira, é bom que tenha, porque personagens sobre quem falar ajudam a organizar a completa bagunça que é o blockbuster na cabeça, consequentemente esclarecendo infinitamente a ordem das coisas na hora de passar toda essa análise pro papel. E para o negócio todo ficar mais palatável, a crítica vem enumerada em “coisas muito creepy que quase fazem os efeitos especiais não valerem a pena”.

1. O fim do mundo NÃO é resultado das ações antrópicas no planeta.

Claro que a lenda maia não falava da emissão excessiva de gás carbônico ou do desmatamento; e pode ser mesmo que a explosão anormal do sol seja o que causará o fim do mundo. Mas, sinceramente? Estava esperando algum tipo de sermão sobre nossos abusos para com o planeta e a necessidade que ele tem de se livrar de nós. Sim, foi como é todo filme sobre asteróides engraçadinhos querendo esmagar a vida por aqui, mas desde O Dia Depois De Amanhã, parecia tendência filmes mais realistas (não que as loucuras de Depois de Amanhã sejam realistas, nem que seja realista que elas só durem uma semana e pronto. Mas whatever).

Então somos os poluidores, queimadores de combustíveis fósseis, derrubadores de árvores, assoreadores de rios, secadores de nascentes, e finalmente começamos a perder dinheiro o suficiente para nos preocupar com o aquecimento global (assumindo que ele realmente é verdade); e aí nós, esses humanos tão ambientalmente preocupados, gastamos milhões em um filme sobre o fim do mundo sem aliar a lenda maia às nossas circunstâncias?

Mas certo, isso não é exatamente uma falha. Eles não foram por esse caminho, paciência; talvez tornasse a coisa toda mais verossímil, mas, quem liga pra verossimilhança mesmo? Sigamos.

2. Há uma gigante e aparente não existência de preconceitos.

O fato de que quem descobre a incrível ação dos neutrinos vindos do sol na Terra seja um indiano relativamente pobre, em uma mina de carvão (era de carvão? Faz diferença?), e não nenhum dos megaequipamentos estadunidenses ou alemães ou ingleses ou até chineses, já parece uma tentativa de passar uma mensagem de “não somos preconceituosos!”. Não sei, talvez seja ingenuidade minha, mas se um indiano no fundo de uma mina consegue perceber… Sério mesmo que o governo americano ainda não sabia?

E, a presença de mais negros que o normal no elenco, mesmo que na época da eleição espalhafatosa de Obama, é marcante, e absolutamente não comentada. Não sei, talvez não devesse ser comentada, talvez seja paranóia, afinal, só o fato do presidente ser negro fala muita coisa sozinho; mas aquele geólogo negro, que meio que tinha que se subornar ao branco arrogante, teria rendido ótimos adendos sobre racismo se eles quisessem.

Claro, só isso não é o suficiente para odiar o filme. Vamos ao próximo.

3. O critério totalmente sem nexo de escolha dos passageiros das “naves da salvação”.

A justificativa do secretário do governo para que só pudessem ser salvos os indivíduos que pagasse dois bilhões de euros por um ‘ingresso’ era que de outra maneira, todo o projeto para salvar os seres humanos ficaria caro demais e se tornaria impraticável. Então aqui nós entramos de verdade nas razões pelas quais o filme não deve ser visto.

Quer dizer que a gente tem que acreditar que os Estados Unidos da América, a União Européia, a Rússia, a China, todas as principais potências reunidas, NÃO tinham dinheiro suficiente pra realizar o projeto? Sinceramente? O mundo está acabando! Terremotos, vulcões, maremotos e etecétera, etecétera, etecétera. Não vai acabar tudo de qualquer jeito? Por que diabos não gastar até o último dos muitos bilhões de centavos guardados para salvar a humanidade?

Ah, tá.

4. As questões biológicas do item anterior.

Salvar a humanidade seria basicamente escolher os biótipos mais favoráveis dentre a população jovem e saudável, e estabelecer praticamente números de machos e fêmeas iguais, e um número total razoável para haver possibilidade de escolha.

Determinar que apenas bilionários podem entrar é dizer que: a. haverá MUITO mais homens que mulheres; b. a média de idade vai ser de 50 anos para cima e c. será muitíssimo improvável que os genes favoráveis à sobrevivência da espécie estejam concentrados ali.

E por fim…

5. Família, Felicidade, Machismo e Outros.

Existem apenas três personagens femininas nesse filme e, apesar de completamente insuficiente em termos de filme (e isso recai no que foi dito anteriormente; como eles pretendem perpetuar a espécie sem mulheres?), é mais que o suficiente para exemplificar as principais problemáticas do filme.

Primeiro, A Filha do Presidente: Negra. E só.

Ela foi responsável por recolher as principais obras de arte do mundo, para que o legado cultural humano sobrevivesse, mas, além disso, é um personagem absolutamente sem voz, sem importância, raso. Tão decorativa que eu nem lembro o nome da personagem (e desafio alguém que acabou de sair da sessão a lembrar-se também). A principal função dela é realmente ser negra, mostrar que não temos preconceito de cor. Mas claro, machismo ainda não é encarado como preconceito, então, não precisam fazer nada sobre o fato de ela ser mulher.

Segundo, A Mulher do Turco.

Outra da qual não sei o nome. E essa eu realmente preferia que não estivesse na história. Realmente. Porque, sabe, dói na alma ver que o fato de ela ter traído o marido – não importa se ele era um bruto, tosco, estúpido, que a obrigou a colocar silicone (quando ela realmente “gostava do jeito que eles eram antes”), que podia, mas não comprou a entrada dela na nave da salvação porque achava que ela era uma ‘vadia interesseira’ – o fato de ela o ter traído absolutamente torna essa personagem ‘a’ errada. Ninguém gosta do marido, mas, nossa, isso absolutamente não é justificativa para buscar outra pessoa. [SPOILER] E então, depois que ela ‘se vinga’ dele (porque no meio dos acontecimentos acaba que ela entra na nave e ele não), quando ela teoricamente já estaria salva, o roteiro muda e conseguem matar a personagem de uma forma até indigna. E então o tosco de que ela tinha se livrado morre para salvar os filhos. O Herói e a Vadia.

Terceiro, Kate Curtis. A mulher do protagonista.

[Qualquer semelhança com a família de Guerra Dos Mundos deve ser mera coincidência] Então o filme meio que gira em torno desse escritor, Jackson Curtis, que é bem mal-sucedido no que faz, apesar de ter muito talento (ai, os clichês de Hollywood). Ele é divorciado, mas claro, ainda muito apaixonado pela mulher, que o deixou por não entender seu espírito de escritor solitário. Eles têm dois filhos juntos e enquanto a menina mais nova adora o pai, o menino o acha vergonhoso e gosta muito, muito mais do novo marido da mãe, Gordon.

Mas claro, família não é mãe + padrasto criando os filhos. É claro que eventualmente, ao decorrer dos episódios alucinantes, mãe Kate e pai Jackson começam a se reaproximar, assim como o filhinho começa a deixar de achar que seu pai é um looser. [SPOILER] E claro, seria completamente errado que a mãe de família, mulher respeitável, que quer o bem de sua família, simplesmente traísse o marido atual e voltasse para o ex. Não, temos que fazer com que isso seja definitivo. Então Gordon morre, para o bem de todos, que estão muito melhor na sua verdadeira família.

Show de efeitos especiais, sim, algumas cenas maravilhosas e tudo o mais. E, depois do rearranjo dos continentes, da criação de novas placas tectônicas, do movimento de mares, inundações, falhas, todo aquele fuzuê, as pessoas numa arca no meio do oceano, sem direção, eis que o único lugar que aparentemente não está completamente destruído é o sul da África. Adoramos a ironia?

Por Aretha

é colunista e tradutora da PH e indecisa em vários aspectos da própria vida.

4 respostas em “2012: O conto de fadas sobre Amor e Família”

Essa coisa da genética foi o que mais pegou, pra mim. Quer dizer, em tese as pessoas escolhidas seriam aquelas mais adequadas para a perpetuação da raça.
Quiseram inserir aquela coisa da corrupção, enfiando 2 bilhões de doláres numa trama que não faz o MENOR sentido.
Você vai pagar 2 bilhões em algo que efetivamente a pessoa nem vai receber? Porque não colocaram as barras de ouro e as notas nos barcos, e mesmo que tivessem colocado… pff… enfim.
Filme ALTAMENTE revoltante, e aquele final, tentando compensar a África por todo o descaso dos hm… 2012 anos anteriores… sem comentários. Mesmo.

Não asssisti esse filme!agora com esse texto percebi que não perdi nada!

assisti 2012 e AMEI seu comentário, a mais pura verdade, principalmente sobre o machismo, a PH realmente está se tornando cada vez mais EXCELENTE, mas discordo de uma coisinha, que possa ter passado batida,

3. O critério totalmente sem nexo de escolha dos passageiros das “naves da salvação”. Foi na verdade uma tentativa ridícula de mostrar que o ser humano em si é corrompido, foi na verdade uma tentativa de crítica, mas em todo caso, estúpida

a tentativa de elevar a África, então… TOTALMENTE PLAUSÍVEL (estou, é claro, sendo irônica) A equipe do PH está de parabéns BJS

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