Direção: Daniel Tendler, Fábio Barreto
Elenco: Rui Ricardo Dias, Glória Pires
Ano: 2010
Duração: 130 min
“Trabalhador não é de esquerda e muito menos de direita,” diz a versão cinematográfica do presidente.
O filme começa com Dona Lindu (Glória Pires), grávida de Lula, com seus seis outros filhos, na porta de casa, observando o pai deles, seu marido, sair de casa rumo a São Paulo com sua amante. Em uma das poucas cenas esteticamente interessantes do filme, somos apresentados às três principais premissas do filme: que Aristides (Milhem Cortaz) é quase cruel com sua família, um péssimo pai; que nenhum dos irmãos de Lula tem voz, expressão, ou sentimentos, e que o filme não é sobre a personagem de Glória Pires, mas é como se fosse, porque basta um olhar dela e não sobra mais ninguém na tela.
Primeiro sinal de alerta: depois do parto de Luiz Inácio, uma confusão de espaço e tempo preenche a tela por minutos intermináveis que deveriam nos dar a idéia de que Lula está crescendo com sua família, mas que apenas tem o efeito de confundir o espectador. Numa série de cenas soltas que não se interligam, Fábio Barreto nos mostra a que veio: um filme puramente comercial de baixa qualidade, que não se encaixa direito no rótulo de cinebiografia que traz.
É chocante como o sertão é amenizado: nenhuma menção a como a vida lá era estupidamente difícil, em que nada que se tem é o suficiente para os oito filhos, em que se passa fome e sede periodicamente, em que sol e terra se misturam numa massa quente, rachada, triste; então quando Jaime (um dos únicos dos irmãos que participam do filme ativamente) escreve uma carta em nome do pai Aristides, pedindo que a mãe se junte a ele em São Paulo, o filme torna difícil entender porque Dona Lindu foi, sem hesitar, mesmo provavelmente guardando uma mágoa inominável do marido.
E o diretor insiste em representações rasas da realidade durante o filme todo: a viagem de pau-de-arara de Pernambuco a São Paulo passa fácil, com um enterro na beira da estrada e a duração do trajeto (13 dias e 13 noites) artificialmente em destaque tentando representar a dificuldade, sem sucesso; a vida em São Paulo – entre escola, curso no SENAI, emprego, e além – não parece ser tão difícil: exceto pelos momentos de “Cadê a minha cana?!” do pai, uma enchente jogada no meio do filme (nenhuma cena sequer menciona a inundação depois que ela acontece: reconstruir casa? Recuperar roupas, eletrodomésticos, móveis? Nada.), e a morte da primeira esposa, a vida de lula é retratada como uma vida pobre, mas razoável, em que não falta nada, apesar de não sobrar.
A infância do Lula do filme foi chata, sim; um pai bêbado exigindo que você trabalhe aos dez anos não deve ser fácil, mas assim que Aristides ameaça machucar seu filho, Dona Lindu se aventura no mundo com todos eles sob a asa. Com a proteção de sua mãe, ele vai à escola, se torna um aluno excelente, e almeja sempre orgulhá-la, crescendo pra ser um homem importante.
Sabe aquela cena em Dois Filhos de Francisco, em que a mãe Dira Paes tenta fazer com que os filhos esqueçam da fome? Não existe uma cena assim em Lula, por mais que saibamos que na vida real ela existiu. Não existe nada assim no filme – pra quem diz que esse deveria ser o próximo Dois Filhos – nada que te faça dizer “nossa, que vida super difícil!”. Nem a cena da morte de sua esposa e seu filho segura emoção o suficiente pra que sintamos a força que o homem teve que ter pra seguir até ali.
O diretor, claro, tem alguns (poucos) momentos iluminados: quando Lula vai à fabrica como estagiário pela primeira vez, e suja seu macacão de óleo para mostrar à sua mãe que trabalhou, a que se segue uma troca intensa de olhares entre mãe e filho orgulhosos de si mesmos. Em nenhuma cena durante todo o filme dá pra ter uma ideia melhor de como cada pequena vitória era uma grande vitória, de como nunca na vida algum de nós entenderá essa sensação; assim como quando ele se forma no curso de torneiro mecânico do SENAI, e o orgulho da mãe transborda da tela (aliás, basicamente todas as cenas de Glória Pires. Ela definitivamente salva o filme).
Então, então o pior de tudo.
Não dá pra falar de Nelson Mandela sem falar da questão racial na África do Sul; não dá pra falar de Meryl Streep sem envolver sua importância no cinema mundialmente; não dá pra falar de Harvey Milk sem falar do movimento gay estadunidense. Claro que a importância de Lula é muito diferente das importâncias de qualquer um desses, mas o ponto é que a despolitização de todo o filme foi o maior desse festival de erros de Fábio Barreto.
Então Lula nem sabia o que eram sindicatos, achava que era só uma grande bagunça sem sentido. Daí sua esposa morre e ele resolve que precisa de algo pra ocupar a cabeça. Não é aquele orgulho do brasileiro que atravessou mares de espinhos sua vida toda, mas tinha uma consciência política tremenda, e cresceu tanto no movimento pelos direitos dos trabalhadores, enfrentou tanta propaganda contrária, que absolutamente mereceu o cargo que ocupa hoje. N-A-D-A disso.
O Lula do filme é um alienado sem ideologias, é o Lula como a direita prega que ele era: um cara que caiu de para-quedas no meio político, sem nenhuma formação anterior, que não merecia, nem queria, ocupar cargo publico algum, ligeiramente irresponsável.
COMO se descreve Lula sem falar da situação política em que ele cresceu? Então eu deveria acreditar que a ditadura tinha influência praticamente nula na história dele, que os piquetes de trabalhadores eram às vezes mais violentos que a própria ditadura (!!)? Então não aconteceu uma total mudança da imagem de Lula (inclusive em sua fase “sapo barbudo”, que eu nem identifiquei no filme)?
Eu, fã do presidente Lula, não gosto do Lula do filme.
E, exceto pela “troca de fotos” de que todo mundo já falou, em que o Lula criança se torna o Lula preso pelo DOPs, e uma cena sutil em que um guarda cantarola “Pra Frente Brasil” enquanto encara o homem humilde, a parte política do filme, que já é quase nula, se revela completamente enganosa e inútil.
Prum filme que só tem dois personagens (você nem se dá conta de que dona Lindu tem oito filhos, porque eles são simplesmente cenário. Lula é o inteligente, o esperto, o falador; e quando a mãe os coloca na escola, é por Lula que a professora vem até a casinha humilde deles. É Lula que dá o orgulho de se formar, é Lula que mora com ela até o fim… Outro deslize de Barreto, achar que outros personagens não contribuiriam pra formação do personagem Lula), até é entendível quem diz que o filme é sobre a mãe de Lula, e não sobre ele.
Mas o fato é que é sobre ele, sim: é uma tentativa de fazer a direita gostar dele, no momento mais inapropriado possível; é um filme comercial, que tenta fazer dinheiro com a imagem do homem mais popular do Brasil; e é um filme ruim.
Longe, muito longe de santificar o presidente ou fazer campanha pra ele (afinal que outro filme nacional é patrocinado exclusivamente por iniciativas privadas?), Lula tem algumas boas atuações (os Lulas criança, adolescente e adulto), uma atuação excelente (adivinha de quem?) e uma grande mentira como protagonista. Afinal, alguém acredita que Lula não era de esquerda?
5 respostas em “Lula, O Filho do Brasil”
Comentário bem feito. Gostei.
O filme realmente é muito ruim, cheio de atos falhos. Nunca fui Lulista, mesmo assim fui ao filme e me decepcionei, gosto ainda menos do Lula ao saber que todos os que ficam ao lado dele diminuem edesaparecem…foi assim com todos da familia e os amigos. Sonho com o dia em que ele sairá do cenário político.
Concordo em muito com o seu texto, Aretha, mas não acho que o filme devesse carregar ainda mais nas dificuldades da vida do Lula. Tudo bem que ele não tenha tido uma vida fácil, mas explorar tudo isso com muito mais choro e velas daria num resultado ainda mais novelesco. Talvez a intenção do Fábio Barreto tenha sido amenizar justo isso, embora não tenha obtido qualquer sucesso.
Os objetivos políticos estão por trás de cada pedacinho daquele filme. Começando pelos patrocinadores, como vc bem apontou, Aretha. Em minha opinião, o número de grandes empresas que apoiaram o filme é um sinal de como os empresários deste país apóiam o ex-esquerdista. Não é à toa que esse filme chega aos cinemas em um período tão próximo ao eleitoral. Alguns podem argumentar que o Lula não vai sair candidato, mas é na força do Luís Inácio que a Dilma se apoiará.
Para mim, o filme vem com a intenção de dizer ao Brasil que o Lula não traiu os trabalhadores. A tese do filme é apontar como o Lula NUNCA foi de esquerda coisa nenhuma. E essa é uma estratégia que o nosso digníssimo presidente tem adotado. Afinal, quantas vezes nos últimos anos ele não afirmou que jamais foi de esquerda? Se as pessoas acreditarem que ele sempre foi assim como é hj, não há motivo para acusá-lo de ter mudado. E aí ele simplesmente vai ser apresentado como um cara que chegou ao topo sem precisar se vender, sendo bom o suficiente para rejeitar “ideologias”.
Outro absurdo no filme, como vc bem disse, é a discrepância entre o que é apresentado da ditadura e do movimento dos trabalhadores. A ditadura parece mais amena e compreensiva do que os loucos comunistas que jogaram um cara do prédio durante uma greve. Quantos a ditadura não assassinou? E no fim a esquerda é quem recebe o título de vilã. Mas o Lula está a salvo de qualquer sujeira, claro. Ele reina absoluto e distante das pequenas e sujas ideologias humanas. Haha.
Haha, tudo o que você diz faz muito sentido, e talvez tenha sido a real intenção do negocio;
Mas eu continuo achando que o filme só faz Lula parecer ridiculo.
Ele quis tirar boooa parte da política, centrar na vida do cara, mas não fez nenhum dos dois direito. Lula virou um alienado e a vida dele não foi retratada com pouca verdade.
Daí eu achar que esse filme é mas pra direita que fala mal do lula, porque no filme ele é o que eles dizem q ele é, do que pros centrais e esquerdistas que são fãs do cara.
Até porque, 80% da população aprova lula e deve votar em dilma. Ele foi homem do ano em um monte (tá, alguns) de jornais internacionalmente renomados. Mesmo não sendo a Miss Simpatia (porque o Serra é suuuuuuper carismático, né? Ah, mas espera. Ele é homem, não precisa dessas qualidades) Dilme já sai muito na frente por ser a candidata do homem do povo. Essa “campanha” pro lula, se o filme fosse campanha pro lula, é totalmente desnecessária.
Agora transformá-lo numa coisa alienada que ele não é, enquanto a veja diz que o filme o “santifica”, parece muito mais uma campanha pra desconstruir a boa imagem que ele tem com o povo.
Sei lá, viu. Ditadura boazinha me lembra muito do comentarista do jornal da globo que diz que “os generais da ditadura já estão velhos,nem sabem o que fizeram, n lembram… Os comunas sim, eles tem a mente atrasada porque querem coibir a liberdade e destruir a democracia…”
Pra mim Lula só se declara não de esquerda hoje porque, am, quem manda no mundo são os EUA, e porque a midia ainda retrata esquerdistas como comedores de criancinhas.
Então, continuo achando que erraram MUITO em não por o lula politico real no filme. Direitistas e reacionários que dissessem o que quisessem.
Ótimo texto, mas discordo de alguns pontos, como por exemplo; as empresas privadas que patrocinaram o filme são em sua maioria “patrocinadoras” ilegais das campanhas eleitorais do PT.
Também acho que apesar de ser fato que o governo Lula é de esquerda na sua maior parte, o apoio que o presidente dá aos grandes empresários (como nosso vice-presidente) demonstra que o PT anda lado a lado com a direita.
Vi o filme e achei assustador o modo como trata a ditadura militar no Brasil, como foi observado por você; acredito que o presidente Lula teve participação importantíssima no combate à ditadura e que é inegável que a qualidade de vida dos brasileiros mudou para melhor em seu governo, mas a questão é: não foi Lula que fez sozinho o que fez, e devemos admitir que seu tempo de mandato poderia ser melhor aproveitado.
Nosso país deveria se comandado por alguem disposto a assumir seu ideal político, e que não tenha medo de falar que é comunista só porque metade dos reacionários acham que comunismo é igual a ditadura e morte, um medo imposto à sociedade na década passada e que já é hora de ser enfrentado.
Muito bem observado o comentário a respeito do caráter de Dilma, acho que seria um feito positvo para o Brasil ter uma governante mulher, mas não creio que com mais 4 anos (os quem sabe quantos a seguir) o Brasil mudará para melhor.
ou quem sabe quantos a seguir*